Uma “Puta Emoção”

By 1 de setembro de 2014novembro 11th, 2023Emoções

Trecho da apresentação:

A imagem da puta, possui forte natureza dissolvente por agregar em si atributos do feminino, da criança, do animal, do pobre, do sujo e do marginal, opondo-se frontalmente assim à nossa moral do mais forte e do mais elevado. A puta desconstrói as fantasias de controle e poder que o eu de homens e mulheres crêem possuir sobre a imaginação, desmoralizando suas pretensões, envergonhando-os. Pergunto-me (como o faz Rafael López Pedraza) se a vergonha, não seria uma das emoções mais valiosas na psicoterapia. Nossa mentalidade humanista cristã reprimiu a vergonha, antes, por exemplo, uma imagem divina que os gregos tratavam por Aidós, transformando-a em culpa; o divino reduzido a um atributo humano. O complexo da culpa, o estar sempre tentando achar um culpado para a história e um sentir-se eternamente culpado, constitui-se operacionalmente talvez na principal trava para o movimento da psicoterapia. Talvez seja nosso material de trabalho mais duro.

A puta, como Lilith, é a serpente no paraíso do patriarcado, aquela que nos deixa órfãos de um pai protetor na sua promessa de uma vida sem risco, sem doença ou dor, imortais como Ele. A puta nos coloca em nosso devido lugar humano, fraco e mortal. A desmoralização que a puta promove em nossas vidas, não se atém apenas à esfera do idealismo humanista de poder racional e controle sobre a vida material. Ela fere e mancha também esse mesmo idealismo nas suas fantasias românticas acerca do amor. A puta desmoraliza a fantasia do amor sem traição, de uma única e literal conjunção amorosa como a mãe e seu filho ou a esposa e o seu marido, nos acenam. Ela não deixa órfãos e fracos apenas os materialistas, mas também os românticos idealistas que acabam se assemelhando em perspectiva literal.

Hermenegildo Anjos

Trecho da discussão:

Rosa Blanco: É preciso muita coragem para ter vergonha. Para declarar-se envergonhado de algo.
Hermenegildo Anjos: Para passar vergonha. A vergonha nos coloca no nosso devido lugar.
Gustavo Barcellos: É uma correção? É o daimon que corrige? Veja, porque aí a vergonha implicaria uma humanização. Não um humanismo e sim um caminho de humanização. O problema é a evolução da vergonha, a transição da vergonha para a culpa, o que é visto como uma evolução.
Hermenegildo Anjos: Uma evolução do pensamento e da formação racional humana, do espírito humano…
Gustavo Barcellos: Do ponto de vista da alma, é uma perda.
Hermenegildo Anjos: E a alma precisa, no nosso mundo, restaurar sua supremacia, seu valor, e a vergonha talvez seja uma das imagens mais importantes para isso.