O que seria do amarelo se não fosse o mau gosto?

By 12 de julho de 2016novembro 11th, 2023Lixo Ordinário

Rogério MesquitaRogerio Mesquita

 

O titulo da minha fala é uma homenagem ao meu avô Cesar Dias Filho que em muitas situações dizia esta frase.

Qual a relação entre o amarelo, o mau gosto e o lixo ordinário?

Que gosto é esse que se reprova? Que não tem qualidade para ser apreciado? Assim como muitas coisas que descartamos? Na intenção de não ter mais contato? E o amarelo? Que cor é essa?

Segundo Heller, em seu livro Psicologia das Cores, o amarelo é a mais contraditória de todas; otimismo e ciúmes, ouro e enxofre, recreação e tradição são algumas das qualidades relacionadas ao amarelo. Existem catalogadas 117 diferentes tonalidades de amarelo.

Segundo a referida autora, “pertence também à vivência e ao simbolismo do amarelo o fato de que nenhuma outra cor ser tão instável quanto ela – uma pitada de vermelho transforma o amarelo em laranja, uma pitada de azul ela se transforma em verde, um tantinho de preto e obtemos uma cor suja, opaca. Mais que outras cores, ela depende das cores combinadas a ela. Perto de branco, o amarelo parece radicalmente claro, perto do preto, inconvenientemente berrante” (Heller, p. 85).

Algumas outras ligações com o amarelo: no semáforo, o amarelo significa atenção e uma eminente mudança de status; a bandeira amarela é o sinal internacional de doença perigosamente contagiosa; a imprensa marrom; folhas secas; páginas amarela de um livro; velhos dentes; sorriso amarelo; amarelecimento decadente. A covardia e o ciúmes são amarelos; o ponto central da retina é amarelo e também é onde a visão é mais apurada; o amarelo seduz mentes perturbadas; o amarelo aparece como uma específica qualidade de transição num processo temporal; cartão amarelo no futebol.

Na simbologia europeia na Idade Média, o amarelo era a cor da má reputação. A cor usada pelas prostitutas, pelas mães solteiras e pelos hereges. Também vale lembrar que, na Segunda Guerra Mundial, a estrela de David, usada pelos judeus, homossexuais, prostitutas e mães solteiras, era amarela.

Amarelo, xanthosis, uma das fases da alquimia que foi esquecida, deixada em segundo plano de alguma maneira colocada no lixo? Afinal a xanthosis também é representada pelo enxofre que uma das suas características é o fedor.

Para os alquimistas essa fase foi omitida, mas ao mesmo tempo eles sabiam que esta fase revelava uma profunda mudança, geralmente para pior, ao entender deles: o amarelecimento significava uma corrupção do processo, uma putrefação onde o trabalho estava se dissolvendo.

Será que esse é um dos motivos para esta fase ser esquecida? A instabilidade da cor? A instabilidade desta fase alquímica? A volatilidade que esta fase, cor que facilmente se transforma? A noção que estava piorando?

Ao mesmo tempo um dos lemas dos alquimistas era dizer que era para se desconfiar quando o vermelho vinha depressa de mais, com isso, penso que o amarelo realmente tem suma importância e seu tempo para poder fazer a transformação, mesmo que não se tenha dado muita atenção a essa fase.

Será que quando as coisas estão fedendo, amarelando, é quando os pacientes chegam em nossos consultórios? Nesta fase de putrefação? Onde o enxofre começa a se manifestar?

Jung descreve o enxofre da seguinte maneira:  o enxofre como princípio ativo na obra, e assim na vida humana. Ele equacionou o enxofre como aquilo que a psicologia chama de força motriz, de um lado a vontade consciente; de outro a compulsão inconsciente. E para os alquimistas, este elemento tinha três características: cáustico e comburente, produz ou inicia a putrefação e a capacidade de coagular.

Então podemos pensar que o amarelo, e o enxofre, são fases, elementos de uma profunda transformação? Podemos pensar que é uma das metas do trabalho psicoterápico? Ajudar o paciente suportar o seu próprio fedor no tempo adequado?

Citando Jung: “o dinamismo inconsciente poderia corresponder ao sulphur, pois, o “estar-sendo-impelido” é o grande mistério da nossa vida humana, o cruzamento da nossa vontade consciente e de nossa razão por uma entidade inflamável, que ora se manifesta como um incêndio destruidor, ora como calor a dispensar a vida” (Jung, p. 123).  Penso que aqui Jung resumiu toda a importância do Enxofre para a psicoterapia o dinamismo que o inconsciente é. Levando muito de nossos a desistirem do processo por não saber lidar com todas essa avalanche de emoções.

Com tudo isso penso que temos que re-ver a nosso visão de tudo que queremos descartar (destacar) pois é também fonte de profunda transformação. E nos aproximar do nosso “fedor” interno.

Vamos amarelar mesmo que isso doa, tenha um fedor  e seja difícil.

 

Heller, Eva. A psicologia das cores, São Paulo: Gustavo Gili, 2014, p. 311.

Hillman, James. Psicologia Alquímica, tradução de Gustavo Barcellos, Petrópolis: Ed. Vozes, 2011.

Jung, C. G. Mysterium Coniunctionis. Petrópolis: Ed. Vozes, 1997 (Obras completas de C. G. Jung, Volume XIV/1).