Maquinações Animadas

By 2 de setembro de 2014novembro 11th, 2023A Imaginação do Trabalho

Trecho da apresentação:

Tudo o que eu for falar será excessivo, vai enviesar, vai reduzir. Prefiro mostrar para vocês a minha imaginação sobre o tema. Então, o subtítulo das “Maquinações Animadas” poderia ser exatamente “a imaginação do trabalho e o trabalho da imaginação”.
Prefiro que a gente assista junto um pequeno filme que a maioria de vocês já viram, que é um clássico do cinema. Reduzi de uma hora e meia para meia hora. Tem momentos interessantes no filme que vamos ver e depois a ideia é só conversar a respeito. Claro que tenho umas coisas pensadas a respeito, e informações sobre o filme, mas a ideia é ficar primeiro com a provocação da imagem e da imaginação em torno do tema. Então vamos lá.

(projeção de clip do filme)
Filme: Tempos Modernos (Modern Times), 1936
Direção, Roteiro e Música: Charlie Chaplin
Elenco: Charlie Chaplin, Paulette Goddard

Num encontro sobre “a imaginação do trabalho ou o trabalho da imaginação” não poderia deixar de estar o vagabundo, o desempregado, e o artista.
Muitas reflexões eles nos suscitam: que maquinações a alma produz quando ziguezagueia no mundo do trabalho, ou no vazio do sem-trabalho; quando não há emprego adequado às suas necessidades, ou, quando o trabalho que a alma quer não combina com o que se faz?
Assistimos ao impacto da disciplina e do controle da sociedade moderna que pretende “fazer formigar uma cigarra”, como nas fábulas de La Fontaine. E assistimos a “alma cigarra” fazendo arte, enquanto escapa, tropeça, se perde, desliza em pequenos espaços de beleza, perde a voz, inventa palavras, canta e encanta.
Para o progresso civilizatório, e conforme a concepção freudiana inclusive, há necessidade de repressão ou sublimação das nossas satisfações pulsionais, que devem ser desviadas para o mundo do trabalho. Que todos sejamos formigas. Mas também somos cigarras. E o trabalho de cigarra é diferente do trabalho de formiga. Trabalho de cigarra é o trabalho empenhado na sua singularidade desejante, é o trabalho criativo do artista, e que possui uma utilidade psico-afetiva, abre espaços de alma, dá sentido às nossas variadas estações e nos salva de uma adequação necessária coletiva e de uma cansada e alienada resignação.

Isabel Labriola

Trecho da discussão:

Isabel Labriola: O que achei interessante quando Gustavo propôs o tema é que no filme vemos qual é a imaginação do trabalho, especialmente lá naquela década, e até hoje continua assim; mas tem o trabalho da imaginação, que é aquilo que Chaplin fez e que a gente acaba fazendo. Isso é sonhar. Aliás, uma coisa bonita no filme é que tem um pedaço em que ele e a mocinha sonham que um dia eles vão ter uma casa e vão ter tudo. No sonho deles tem a casa e tem uma macieira que entra por dentro da casa e ele pega a maçã da macieira e come, ele chama uma vaquinha que vem e pegam o leite da própria vaquinha. É uma coisa bonita porque quando ele sonha, não sonha um sonho burguês — que ele vai ficar burguês — ele sonha com o Paraíso, ou seja, ele sonha que está no Paraíso, não numa vida burguesa! Um sonho bem bacana.
(…)
Alguém disse aqui que enquanto a gente dorme a gente trabalha, e esta é a imaginação trabalhando. É como o vagabundo em nós, nos nossos horários, os nossos momentos de ócio criativo, de devaneios, sonhar acordado, não só dormindo, é esse um trabalho de desconstrução de uma lógica que está constantemente sendo construída em cima da gente. Fiquei pensando no trabalho do Ajax e da Rosinha lá na Clínica Kairós, se o que eles não fazem é ficar um pouco feito Carlitos, vendo onde vai dar aquilo tudo. O que vocês pensam a respeito?
Gustavo Barcellos: E é muito trabalhoso também, não?, porque Chaplin trabalhava muito! Toda música do filme é dele, roteiro, interpretação, está tudo lá, e é dele. Ele é o ator, ele é o roteirista, a composição é linda. E esse é o filme dessa canção, que é tão famosa, Smile, que é uma coisa que está no nosso imaginário, está nas nossas veias, de todo mundo. E é um filme dele sobre o trabalho, onde essas coisas estão confundidas mesmo.
Isabel Labriola: E o legal também é que quando ele entra no trabalho que tem a ver com a alma dele, funciona, não é assim que ele é um vagabundo porque não quer trabalhar.
Ajax Salvador: Essa questão que você levanta, fico me perguntando: ele enlouquece no filme porque a maquinaria o coloca a trabalhar ou porque ele se obriga a responder à maquinaria? Ele é tomado por uma necessidade de trabalho e é muito interessante quando no bar, quando ele pode abandonar isso, que ela fala: “Olha, não importa as palavras, canta o que vem, cante independente da palavras.” Aonde ele pode seguir o impulso de movimento sem precisar necessariamente seguir o padrão, o roteiro automatizado, aí aquilo funciona de outro jeito. O que eu acho que esse filme nos faz pensar: qual é a maquinaria que está funcionando hoje? O que a gente se obriga a fazer hoje? Sem perceber, porque parece, quando ele vai falando, que ele é conduzido por um ideal, o ideal do trabalho. “Não desista! Teremos a nossa casa.” De alguma maneira ele é conduzido por isso, mas a época, enfim, colocavam as coisas desse modo. O que nos conduz hoje? E a gente nem percebe. Que maquinaria que a gente vai entrando e que vai se obrigando a fazer e que nos enlouquece? Porque acho que a gente é obrigado a ter prazer o tempo todo, ter alegria o tempo inteiro, fazer tudo que quer (como se a gente pudesse fazer o que quer), a gente é obrigado a ser feliz o tempo todo.
Gustavo Barcellos: Também são engrenagens.
Ajax Salvador: Engrenagens imaginárias.
Gustavo Barcellos: Inconscientes, imaginárias, que estão ali funcionando.
Rosa Blanco: Tem uma coisa que o filme fala, que acho que passa batido, porque está no meio da história: o tempo inteiro o acaso intervém, o tempo inteiro há alguma intervenção instantânea, a cena da bandeira, que acho é a mais explícita, que ele vai devolver a bandeira e ele está liderando uma manifestação popular. Acho que a despeito de todas as possibilidades de maquinaria maquiavélica processual com objetivos no final, este filme traz o tempo inteiro a intervenção de um algo que desestrutura tudo em outra coisa, que quebra tudo. E aí acho que esta também é uma das possibilidades que a gente tem, uma das linhas de fuga, para o escape dessa maquinaria constante.
Gustavo Barcellos: Mas isso é o Chaplin! A figura do Chaplin é isso para o século 20. Alguém já disse, Chaplin é o homem mais importante do século 20.

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