Imaginando o Trabalho

By 27 de setembro de 2014novembro 11th, 2023A Imaginação do Trabalho

 

Trecho da apresentação:

Podemos experimentar o trabalho atravessado por muitas fantasias arquetípicas: prazer, justiça, beleza, jogo, brincadeira, luta, conquista, sofrimento, trapaça, tempo. Ou seja, o modo como inconscientemente imaginamos o trabalho afeta diretamente o modo como experimentamos as atividades que, ao longo da vida, chamamos de trabalho. O jogo politeísta da alma está presente aqui tão intensamente quanto em outras dimensões arquetípicas da existência: o sexo, a morte, o amor, a cidade, a religião, a família.

O vastíssimo tema do trabalho esconde as armadilhas mais perigosas. Nesse campo, distinguimos hoje a equação em que se opõem para nós “tempo de trabalho” e “tempo livre.” Essa linguagem já denuncia muita coisa. Nessa lógica, estar livre é estar, momentaneamente ao menos, sem trabalho, sem ter que trabalhar. O trabalho, portanto, determina um aprisionamento. Mas estar sem trabalho é estar verdadeiramente livre (ou pronto) para o quê? Sabemos que, muitas vezes, para a maioria das pessoas existe aí, quando acaba o trabalho, um abismo, uma vertigem, seja no final da vida, seja no final da semana. Trabalhar, então, é estar necessariamente preso a uma complexa cadeia de significações que inclui auto-estima, produtividade, encaixe social, noções importantes de dignidade, de sentido de existência e, principalmente, poder estar envolvido hoje na construção de uma felicidade privada por sua vez fortemente relacionada à fluidez do acesso aos bens de consumo, que assim se tornam índices de bem-estar.

Gustavo Barcellos

 

Trecho da discussão:

Iv Robbi: O que Freud dizia é que o vetor da cura está no sentido do surgimento de um ser humano que possa amar e trabalhar. Da mesma maneira, o amor também é algo que se faz…
Gustavo Barcellos: Mas, certamente, quando ele diz isso, esse trabalhar tem outro sentido. Tem esse sentido da brincadeira, do jogo, do fazer-se a si mesmo. Não tem esse sentido protestante, do produto.
Hermenegildo Anjos: Acho que tem uma coisa de equacionar trabalho com ego. O trabalho do ego é um trabalho mínimo. O trabalho maior que existe é quando estamos dormindo. Então, a gente fala tanto de trabalho, mas equacionamos trabalho com fator pessoal, e o trabalho não é uma questão pessoal. Está muito longe de ser uma questão pessoal. O trabalho é uma coisa que existe, sempre existiu e vai continuar existindo. É a própria atividade da alma. Ela está sempre trabalhando.
Gustavo Barcellos: O ego só reflete isso. Acho que existe um imaginário prevalente do que é o trabalho na nossa cultura ocidental, contemporânea, que adoece a ideia de trabalho.
Hermenegildo Anjos: O trabalho não é uma coisa nossa. O trabalho é uma coisa que existe e que compartilhamos. A gente não tem que se sentir mais ou menos porque trabalha. O que nós trabalhamos é mínimo diante do trabalho que já existe.
Roberto Leal: Sua fala faz o contraponto justamente da nossa patologia, que é a questão da produtividade. No jargão do mercado de trabalho, o ser humano é visto como “força de trabalho”. Então, o tempo todo ele é uma unidade para produzir, constantemente. Ele não tem descanso, não tem pausa. Na pausa, ele é descartado.