Amizade

By 14 de setembro de 2014dezembro 18th, 2014A Vida Psicológica, Gustavo Barcellos

A amizade espelha os deuses e os heróis, espelha a natureza, espelha o cosmo, espelha a sociedade e a política em seus enlaces mais elaborados. Os laços políticos, as relações na polis, são, em última instância, relações de amizade — ou deveriam ser — e tudo ali depende dela. Dos Três Mosqueteiros aos Três Patetas, da bravura à trapaça, passando por tantos modelos paradigmáticos ao longo da história da imaginação tais como os relacionamentos entre Gilgamesh e Enkidu, Rumi e Shams de Tabriz, Davi e Jonatas, Dom Quixote e Sancho Pança, Sherlock Holmes e Watson, o Gordo e o Magro, a amizade revela a riqueza da alma, a riqueza de sua alma, e revela até onde ela pode chegar com seus sonhos, seu heroísmo, sua comédia. A filosofia, a sociologia, a arte, a literatura, a crônica dos costumes, o cinema, as séries de TV e a fotografia se ocuparam e se ocupam constantemente dela. Mas qual será sua psicologia? Afinal, para que servem os amigos, e o que a alma de fato intenciona com esse eros?

Um lugar-comum é dizer que a amizade é fundamental porque nossos amigos são nosso espelho, que através deles podemos nos enxergar naquilo que somos. Aceitar o outro como ele realmente é não tem nada a ver com isso. Para mim, essa ideia de “espelho” nos mantém trancados em nós mesmos, procurando apenas por nós mesmos, enxergando apenas a nós mesmos nas tais projeções inconscientes da sombra. Logo Narciso, esse rapazinho sedutor, estará por perto, e com ele muita encrenca.

É claro que existe espelhamento na amizade, e a imaginação especular é verdadeira em si, mas prefiro pensar que um amigo não é um espelho, mas uma janela para o mundo, para outro mundo. Acho que precisamos menos de espelhos e mais de melhores janelas, janelas com boas e belas vistas. Janelas que permitam enxergar outros mundos, ou o mundo como ele realmente é.

 

em “A amizade e suas metáforas”